quarta-feira, setembro 19

Fuga

Sempre soube que ele estava lá naquele pedaço de papel. Sempre soube... Ele também está lá esperando naquela música que agora reluto em escutar. Lá está ele. Eu o guardo, o cuido. Todos os dias passo por ele, mas apenas passo, lembrando que na verdade ele está lá, bem cuidado, a salvo da poeira mental... No entanto, ele insiste em conclamar, em atarantar e me rechear de idéias às quais levei anos treinando o meu cérebro para refutar. O cérebro pode ser às vezes um lugar bem inóspito, ele me mostra. Não adianta. Ele escarafuncha e abre brechas. Não posso nem dizer que invade, pois já estava lá, só que guardado, desligado. Não adianta. Insiste em me açoitar e quanto mais me precavenho de sua presença, mais tenho certeza de sua constância. Decido não escutar aquela música e lá está ele; volume intenso. Evito aquele perfume, aquele caminho... Ando mais longe e paro no mesmo lugar. "Pelo menos deixa eu me acostumar", eu peço. Cruel, ele me chama de hipócrita e tem razão, pois está sempre comigo, de fato. Ah... pensamento... você sempre ganha.

quinta-feira, setembro 13

Combinações

Escrevo. Não, não posso mais fingir que o faço mais para os outros do que para mim.
Escrevo. Porque as falas que não irrompem se diluem e, antes que eu as perca...
Escrevo! Ah... escrevo.
Porque já não suporto mais marcar meu corpo com tantos sentidos, sintomas e agruras.
Escrevo porque preciso ter a sensação de retomar aquele pedaço que hoje me esburaca em uma ausência corrosiva e atroz.
Escravo! Percebo e aceito que desde meu coração até às pontas de meus dedos existe uma tensão que já não pode mais ser ignorada.
Cravo. São letras... somente e absolutamente letras de um tempo remoto. De um tempo em que recupero tudo aquilo que não existiu, mas que sempre insistiu em mim.
Travo: pois nada tenho de tão meu e tão de quem queira hospedar em seu ser, quanto as combinações que faço com essas letras.

terça-feira, setembro 11

Citação


Um colega destacou em seu texto essa preciosidade...


"Saber que não se escreve para o outro, saber que as coisas que vou escrever nunca me farão amado por aquele que amo, saber que a escritura não compensa nada, não sublima nada, que ela está precisamente aí onde você não está - é o começo da escritura".

Roland Barthes

terça-feira, setembro 4

Finito

If I could... lembrar do momento em que todos calam, me caberia dizer o porquê;

If... parar o momento em que todos falam, juro que tentaria apontar o porquê.

If... fazer jus às vozes que não passam da garganta...

If... pensar sobre a fala alheia, mas principalmente sobre a minha própria.

If... entender que o que o outro sente também tem um pouco de mim.



If... mostrar que na ânsia de buscar esclarecimento também se pode produzir dor.

If... tentar ser mais cauteloso sem ter que por isso aprender menos...

If... me desculpar mesmo sabendo que isso é desnecessário...

If... me culpar, mesmo sabendo que isso só me paralisaria...

...

If... I could?